Comissões e jornada de trabalho no comércio: A flexibilização dos salários e das jornadas como elemento de superexploração do trabalho no comércio varejista de eletroeletrônicos

Autores

  • Carolina Gagliano DIEESE

Resumo

O trabalho realizado no comércio é extremamente flexível. As jornadas são extensas e as remunerações, baixas. Parte disso se deve à lógica própria desse setor, construída ao longo de muito tempo, de pagamento por produção. Muitos trabalhadores comerciários são comissionistas “puros”, o que significa que sua remuneração é exclusivamente resultante de suas vendas, variando conforme o valor e a quantidade dos produtos vendidos, e ainda conforme um percentual incidente sobre o preço de tais mercadorias. Porque dependem das vendas, muitos comissionistas prolongam intencionalmente suas jornadas para “fazer o seu salário” ou para atingir metas predeterminadas pelas empresas.

Essa estrutura de remuneração totalmente variável pode ser enquadrada como flexibilização dos processos de trabalho com vistas à superexploração dos trabalhadores comerciários, pois atua diretamente nos tempos de vida destinados ao trabalho e no seu poder de compra.

A superexploração, conforme Luce (2013) se apresenta em pelo menos quatro formas ou modalidades: 1) remuneração da força de trabalho abaixo do seu valor; 2) aumento da jornada de trabalho; 3) aumento da intensidade do trabalho; e 4) aumento do valor da força de trabalho sem aumento da remuneração. A primeira e a última são apropriações, por parte do capital, do fundo de consumo dos trabalhadores, enquanto a segunda e a terceira atuam contra o fundo de vida destes.

Consideramos o tempo de trabalho como componente fundamental na teoria marxista, dado que a sua quantidade determina o próprio montante de valor a ser gerado para o capital. Segundo Marx “apropriar-se de trabalho 24 horas por dia é, assim, o impulso imanente da produção capitalista” (Marx, 2017, p. 329).

Nessa perspectiva, a própria mais-valia é o acréscimo de trabalho excedente àquele socialmente necessário para a manutenção e reprodução da força de trabalho, sendo a mais-valia absoluta extraída pelo acréscimo de horas de trabalho e a mais-valia relativa pelo aumento da produtividade do trabalho, ou pela redução do tempo necessário para a produção de valor, sem a devida contrapartida na forma de redução das jornadas de trabalho ou de aumentos salariais.

Partindo dessa abordagem teórica, trataremos a flexibilidade dos processos produtivos sobre os tempos dos comerciários enquanto elemento da superexploração do trabalho. Tal conceito, proposto por Ruy Mauro Marini, tenta explicar o fundamento da dependência como modalidade peculiar do capitalismo, juntamente com a transferência de valor e a cisão entre as fases do ciclo do capital. Trata-se de uma violação do valor da força de trabalho na qual o capital se apropria do consumo potencial ou da própria expectativa de vida dos trabalhadores, na forma de rebaixamento dos salários, ou no esgotamento prematuro da sua vitalidade (Luce, 2013).

Nesse sentido, as remunerações por comissões são entendidas como mecanismos de flexibilidade que aumentam a superexploração dos trabalhadores, reorganizando os seus tempos de vida.

O estudo em questão nasce a partir das vivências experenciadas em três anos de assessoria ao Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro e levadas para reflexão e debate dentro da Escola DIEESE de Ciências do Trabalho. Pretendemos abordar como essa estrutura remuneratória afeta a organização da vida destes trabalhadores, com foco nos Vendedores no varejo de produtos eletroeletrônicos, baseando-nos em suas próprias percepções, bem como em fundamentos teóricos a respeito do tema. Partimos da hipótese de que o tempo de vida destes trabalhadores é cada vez mais apropriado pelo trabalho, que invade os momentos antes destinados às relações familiares, de amizade e de comunidade.

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Publicado

2019-10-15

Edição

Seção

Dossiê